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Em homenagem a Zônimo Ferreira Coelho, o “Seu Nenê”, que partiu neste domingo (11), reproduzimos aqui o belo texto em que Zé Alfredo Ciabotti conta um pouco da história do desportista que ensinou tantas crianças e jovens de Uberaba. Matéria publicada originalmente em 2016 no Uberaba Popular.

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“Nó é San Zózimo, é San Zônimo”, afirmou o padre italiano com o sotaque carregado. E assim foi batizado o segundo filho do casal Celso Ferreira e Theodozina Angélica Coelho: Zônimo, que com o tempo passou a ser conhecido por Nenê, apelido que carrega até hoje. Zônimo, ou Nenê, nasceu em 4 de abril de 1932, dia de São Zózimo, como o pai havia visto na “folhinha” pregada na parede da cozinha. Seus pais vieram da Bahia para trabalhar nas lavouras cafeeiras que por aqui cresciam. Vieram a pé, com uma muda de roupa, da cidade de Brumado, no sul da Bahia, até Conquista, depois se estabelecendo em Uberaba. Nenê cresceu uma criança feliz, apesar da lida com o trabalho no campo desde cedo. Hora ou outra, rumava para a rua Sete de Abril, no bairro Estados Unidos, para bater bola com outros moleques de calças curtas, até a noite chegar.
 
Zônimo trabalhou na roça, em farmácia e na enfermaria do Asilo São Vicente, até surgir o convite para comandar um escritório da empresa agropecuária VR. Aplicado, havia terminado o curso científico e levava jeito com números. Nos domínios da propriedade rural da VR, logo deu um jeito de organizar um time com os funcionários. Passaram a disputar os torneios varzeanos em caráter amador, com Nenê de capitão. E foi numa dessas partidas que o atleta chamou a atenção de um olheiro, que o levou para o juvenil do Uberaba Sport Club, onde ficou por algum tempo, até o Colorado resolver dissolver a equipe. Os tempos eram outros, e seguir a carreira de jogador de futebol era algo arriscado, sobretudo para Nenê, que, aos dezoito anos, em 1950, casou-se com Júlia Bernardes, com o qual construiria a vida e teria três filhos (Celso, Marcos e Júlio) e uma filha (Lucia Helena). Nenê e Júlia foram casados até a precoce morte da esposa, no final dos anos setenta.
 
Ele passou a dedicar-se com mais afinco no escritório, no qual trabalhou por mais de vinte anos e, entre viagens para conferir os gados da empresa, sempre dava um jeito de voltar mais cedo para suas paixões: a família e o recém-criado time de futebol do Santa Marta.
 
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Foi na equipe de futebol amador do bairro que Nenê Baiano percebeu-se como um bom gestor. Tinha tomado gosto por dirigir times. Começava assim sua carreira como formador de atletas e pelos próximos 40 e poucos anos, Nenê montou, dirigiu, organizou e educou por meio dos conceitos de futebol, milhares de jovens. Disciplinador, tirava o melhor dos atletas, tanto dentro quanto fora do campo. Foi com essa ideia, por exemplo, que montou times em todas as categorias possíveis no clube do bairro. Via no esporte um grande trunfo na inclusão social da garotada empobrecida da comunidade. Mesmo sem jeito para o futebol, Nenê dava um jeito de encaixar a criança em algum momento, respeitando seus limites. O importante era tirar a criança ou o jovem da rua e, com os ensinamentos e o trabalho em grupo, transformar suas perspectivas. Foi assim com centenas, que hoje param Seu Nenê pelas ruas do Santa Marta para agradecê-lo.
 
Além do Santa Marta, Nenê trabalhou com as categorias de base do Uberaba Sport, com crianças no Uirapuru, e no projeto “Bem de rua, bom de bola”, com o ex-lateral da Seleção, Djalma Santos. Também foi o fundador do time de futebol amador Butantã – alusão ao seu tempo de VR, onde todos que lá jogavam eram “cobras” – e idealizador do campo do bairro, o Nenezão, chamado assim em sua homenagem.
 
Seu Nenê Baiano é daqueles personagens que só o futebol produz. É também alguém que transformou sua paixão pelo esporte como pulsão para suas causas.

Fotos: Zé Alfredo / arquivo